quinta-feira, 21 de março de 2013

O Marketing negativo quando é abençoado por deus, é obra do diabo.

Por William de Lucca no sítio @delucca

Na tentativa desesperada de alguns detratores dos direitos LGBT em desqualificar toda uma gama de pessoas que tem em comum apenas seus afetos dissonantes da sociedade heteronormativa, vale qualquer arma. Alguns preferem a velha e boa torção de declarações alheias, como dizer que um deputado ‘fere o estado laico’, ao dizer, em entrevista, que foi eleito pelos Orixás. Outros usam a mentira mesmo, atribuindo declarações que nunca foram feitas, criando pretensões nunca aspiradas pelos movimentos sociais e fazendo leituras tortas dos artigos de leis que garantem a cidadania de minorias. Mas uma categoria bem específica de homofóbico é o que tenta atribuir a homossexualidade características, delitos e estereótipos que em nada tem a ver com a sexualidade em si.

Durante este semana, alguns perfiis conhecidos de fundamentalistas religiosos nas redes sociais fizeram um esforço para tentar ligar a orientação sexual de um casal gay ao fato deste casal ser suspeito de ter agredido e torturado o filho adotivo, de cinco anos. Exceto em casos de agressão motivada por orientação sexual ou identidade de gênero, nenhuma destas características é relevante para o contexto de matérias jornalísticas, e é neste ponto que grande parte da imprensa colabora com o reforço de estereótipos negativos de homossexuais.

Ora, o que a orientação sexual do casal colabora no contexto da reportagem? O mesmo tipo de agressão e violência doméstica contra crianças não acontece com casais heteros cotidianamente? Dizer que o casal adotivo da criança tem alguma outra função no texto, além de tentar reforçar os estereótipos de que casais homossexuais são menos capazes de criiar crianças do que casais heterossexuais? Se tivesse, outras centenas de matérias sobre abuso sexual ou violência contra crianças também deveria deixar claro, no título, que os agressores tratam-se de heterossexuais.

Munidos de matérias que enfatizam a orientação sexual de agressores de crianhças, homofóbicos de toda sorte ecoam a elação óbvia que a imprensa entrega mastigada: a criança só foi agredida porque o casal era gay, ignorando o número assustadoramente maior de heterossexuais que comentem o mesmo crime.
O problema desta relação preconceituosa, além de ser falsa, é que ela abre o precedente para que possamos fazer o mesmo tipo de correlação a crimes cometidos por pastores, por exemplo. Posso dizer que todos os evangélicos são pedófilos porque alguns pastores abusaram sexualmente de jovens (Olhe: aquiaqui, e aqui )? Ou posso então afirmar que pastores evangélicos são moralmente inferiores, já que alguns deles (Olhe: aqui, aqui e aqui) cometeram crimes? Devo julgar todos os pastores da mesma forma que um acusado de estelionato, de usar mandato público em detrimento de sua igreja e por pedir a senha do cartão de crédito de um fiel? Por motivos óbvios, claro que não!

Homens, mulheres, brancos negros, indígenas, gays, travestis, heteros, cristãos, muçulmanos, umbandistas, jornalistas, psicólogos, médicos, pastores, jovens e idosos cometem crimes, mas o simples fato de pertencer a um destes grupos ou a qualquer outro não é um fator relevante para alguém cometer um crime. Não há determinismo em um crime, mas sim uma série de fatores diferentes que antecedem a sua execução.

Tentar usar qualquer característica de um criminoso como fator determinante para o crime em si serviu para discriminar negros, indígenas, religiões minoritárias, nordestinos, ciganos, moradores dos subúrbios e das favelas, além de homossexuais, e para justificar qualquer violência contra esses grupos, como negar direitos e cidadania. São preconceitos abjetos como estes que criaram estereótipos deformados, e que escavaram ainda mais o abismo entre as minorias e o resto da sociedade no Brasil. Cabe a todos nós tapar este abismo com dignidade, humanidade e verdade.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Se o Hugo Chavéz tivesse se tratado no Brasil ou nos EUA ainda estaria vivo.

Por Reinaldo Azevedo no sítio Veja.com

Pobre Venezuela!

Dá para saber quando um destino cruel aguarda um povo. Destino? Trata-se, na verdade, de uma construção. Desgraçadamente, a resposta que o país encontrou para uma elite dirigente que entrou em falência foi o chavismo, um misto de banditismo político com delírio ideológico retrô. É evidente que sérias turbulências virão pela frente porque o modo de governo inventado por Hugo Chávez, que morreu nesta terça, só funcionava com o carisma do caudilho. Agora morto, os gângsteres que o cercavam iniciarão a luta intestina pelo poder — ainda que a imagem do mártir garanta ao menos mais uma eleição para a turma. A questão é que, em breve, mais de um poderá dar murro na mesa.

É patético! É melancólico! É triste!

Imaginem quão sem saída está um regime obrigado a inventar uma conspiração, que estaria na origem da doença que matou o líder. Nicolás Maduro sugere, em sua fala, que o câncer do comandante foi obra dos EUA. Ninguém sabe ao certo o mal que acometeu o ditador. Uma coisa é evidente: Cuba não era o melhor lugar para ele se tratar. É aí que se percebe que o bandido farsante obrigou-se a ser, ao menos, verossimilhante.

Entendam o que estou querendo dizer: neste particular ao menos, Chávez foi mais burro e mais fiel ao credo que proclamava do que Lula, por exemplo — que fez muito bem, lógico!, em se tratar no Sírio-Libanês. O Apedeuta é infinitamente mais inteligente do que era o bandoleiro de Caracas e faz da incoerência uma arma política. Ele não foi se tratar via SUS — que, segundo chegou a dizer, estava “perto da perfeição”. Escolheu um hospital de ponta e proclamou: todos deveriam ter direito àquele tratamento especializado.

Pouco importa o tipo de câncer de Chávez, suas chances teriam sido evidentemente maiores no Brasil, nos EUA e em alguns países europeus. Mas isso, para a sua mística, seria entendido como uma espécie de rendição. Médicos brasileiros e um grande hospital chegaram a ser sondados. O ditador queria, no entanto, a garantia de que poderia ter aqui a cortina de silêncio que lhe foi assegurada em Cuba. Ao saber que não seria possível porque a democracia brasileira não permite, restava-lhe escolher, deixem-me ver, entre Cuba e a Coreia do Norte…

Boa parte de seu padecimento, que certamente não foi pequeno, se deve ao fato de que resolveu levar adiante a sua farsa. Não aprendeu as artes de Lula, que jamais é refém da própria palavra. Muito pelo contrário: a cada vez que ele joga no lixo o que disse antes para afirmar o contrário, proclama a própria inteligência, a própria esperteza.

Em lugar de Chávez, o Apedeuta se trataria, como se tratou, num hospital de ponta e ainda diria:
“Eles (*) acham que um metalúrgico não pode ter hospital de rico. Mas eu quer dizer que, nestepaiz, um dia, todo mundo vai se tratar no Sírio-Libanês. E vai ser tudo pelo SUS. Eu acho de que (!) as elites brasileiras precisam aprender que o trabalhador tem direito também a essas máquinas caras…. “

E todos aplaudiriam. A Marilena Chaui mesmo ficaria extasiada: “Olhem! Parece a deusa Métis falando; quando Lula fala, o mundo se ilumina!”. O nosso Apedeuta tem um lado macunaímico. Se lhe derem folga, “brinca” (este verbo terá sentido pleno para quem leu o livro) até durante o expedietne. Mas não se deve toma-lo por tolo. Sabe ser calculista e autoritário se preciso, e o país, institucionalmente, regrediu muito sob o seu comando e/ou orientação.

Lula não traz consigo aquela mística da “sangre” da América espanhola, do “resistiremos até o último homem”. Enquanto permitirem que ele avance, ele vai — se ninguém reclamar, chega à ditadura. Se a coisa começar, no entanto, a se complicar demais, ele dá um jeito de chupar balas Juquinha… A fidelidade à própria farsa obrigou Chávez a experimentar o fel.